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Rádio, Jornalismo e Woody Allen: O Cinema na Sala de Aula

Uma experiência com A Era do Rádio, do cineasta Woody Allen, nas aulas de Radiojornalismo.


Aula de radiojornalismo com o filme A Era do Rádio, de Woody Allen
Fonte: O Cinema de Woody Allen (Leonardo Campos)

Conhecido por resgatar tópicos da memória coletiva e, consequentemente, de suas experiências ao longo de tantas décadas de uma vida inquieta, focada na problematização de temas e análise da condição humana, Woody Allen dirigiu e escreveu, em 1987, o melancólico e humorado A Era do Rádio, produção de 88 minutos que narra a trajetória de Joe (Seth Green, na infância), um homem de meia-idade num momento de retrospectiva que contempla um feixe de histórias situadas na chamada Era de Ouro do Rádio, fase histórica que em alguns países, tais como os Estados Unidos, ocorreu entre as décadas de 1920 e 1930, sendo no Brasil, marcada pelos anos 1940 e 1950.  De olhos nas tendências culturais da época, o cineasta mergulha num universo de personagens excêntricos, tendo em vista homenagear um dos meios de comunicação mais importantes da história do século XX. O rádio, em constante concorrência com os demais meios de entretenimento e informação ao longo de tantas décadas, superou as barreiras que lhe foram impostas e ainda se mantém relevante no contemporâneo, um sobrevivente diante do cinema, da televisão e da internet.


O filme de Woody Allen, no entanto, não faz uso do flashfoward para adicionar tais comentários críticos sobre a simbiose do rádio com os demais meios de comunicação atuais. Essa é uma relação de quem vos escreve, espectador que utiliza A Era do Rádio todo ano, não apenas para possíveis análises fílmicas no bojo da introdução aos estudos cinematográficos, como apresentado em A Rosa Púrpura do Cairo e Dirigindo no Escuro, mas no componente curricular Oficina de Radiojornalismo, presente no mesmo curso de Comunicação Social onde desenvolvi as experiências citadas, bem como o trabalho da Sala de Roteiristas com Noivo Neurótico, Noiva Nervosa. Situada na habilitação de Jornalismo, a exibição comentada do filme em questão não deixa de tocar em tópicos importantes da linguagem: os figurinos de Jeffrey Kurland que emulam as décadas por onde a história se desenvolve, a direção de fotografia e o design de produção, assinados por Carlo Di Palma e Santo Loquasto, responsáveis por emular o contexto histórico por meio de cores opacas para os ambientes domésticos e os tons esfuziantes para os momentos no interior da rádio que serve de espaço cenográfico para o resgate memorialístico do protagonista.


Aula de radiojornalismo com o filme  A Era do Rádio de Woody Allen
Fonte: O Cinema de Woody Allen (Leonardo Campos)

Ademais, os cenários de Carol Joffe e Leslie Bloom, sob orientação de Santo Loquasto, parceiro de longa data do cineasta, permitem aos espectadores adentrar nas dimensões entre quem emite e quem recepciona os espetáculos radiofônicos. As cores, os movimentos de câmera, tudo é mais inebriante quando as cenas estão situadas no ambiente de glamour dos programas de rádio, meio de comunicação que fabricou numerosas celebridades em sua Era de Ouro. Para o desenvolvimento do trabalho em Oficina de Radiojornalismo, o filme entra na programação intermediária do semestre, exatamente entre a primeira avaliação formal e a unidade seguinte ao primeiro bloco teórico. Até o momento, os estudantes já estão munidos de livros, capítulos, artigos, ensaios, entrevistas, programas de rádio em arquivo de áudio, documentários e outros filmes do segmento para compreender, de maneira ilustrada, o alcance do rádio na história da comunicação ao longo do século XX, uma era de transformações intensas. Seja na sala ou no quarto, na cozinha ou na varanda, o rádio se faz presente na família de judeus radicados no bairro de Nova Iorque durante a Segunda Grande Guerra Mundial. A reconstituição do episódio entre Orson Welles e a transmissão de A Guerra dos Mundos, de H. G. Wells, clássico da ficção científica, é apresentado com humor sem deixar de ter apontamentos críticos sobre a recepção radiofônica na época, além de permitir debates sobre o poder de sugestão do esquema de sonorização no rádio na construção de narrativas que não podiam contar com as imagens para delinear os seus conflitos.

Filmes para reflexão sobre rádio e jornalismo
Fonte: Nas Ondas do Rádio e No Destaque das Fotos (Leonardo Campos)

Ao redor do aparelho, simples ou mais sofisticado, a depender do poder aquisitivo de quem o detinha em casa, as pessoas se juntavam para acompanhar transmissões de notícias, jogos esportivos, novelas, paradas musicais, séries, etc. Com sua colaboração no processo de construção do imaginário, o rádio é apresentado pela narrativa de maneira pomposa, tal como o cinema e a literatura surgem nos discursos de outros filmes do cineasta. Nos desdobramentos de A Era do Rádio, como pode parecer óbvio para quem lê, o meio de comunicação ocupa, sem concorrentes, a centralidade da história. E o narrador, de maneira humorada, nos conta sobre a sua prima viciada em dublar os sucessos de Carmen Miranda, além de dar algum destaque para Sally White (Mia Farrow), a garota vendedora de cigarros que precisa vencer os obstáculos da sua voz esganiçada para conseguir realizar o grande sonho de se tornar uma personalidade radiofônica. Ela busca melhoria na dicção e se torna apresentadora de um programa de fofocas, sendo mais uma integrante do bem tão desejado desde o começo da narrativa.


Num misto de fantasia e lembranças, algo próprio da memória que nem sempre é exata como os textos mais herméticos, o filme nos faz mergulhar numa abordagem documental que não está preocupada em ser um retrato exato do real. Até porque nem pode ser e isso é debatido com os estudantes quando é chegado o momento das reflexões. O discurso de Joe é guiado pela ideia do narrador de Walter Benjamin, isto é, o retransmissor de uma experiência que não se atém em expor, da maneira exata e semelhante ao texto jornalístico ou um romance, os acontecimentos que resgata como única versão de determinados fatos. É assim que o meio de comunicação de grande impacto também no Brasil, ao unificar a informação entre classes sociais distintas, salvaguardadas as devidas proporções de recepção, ganhou uma homenagem com possibilidades pedagógicas em A Era do Rádio, uma comédia dramática cheia de momentos memorialísticos do cineasta e também de uma porção do coletivo que viveu e experienciou as mesmas circunstâncias de informação e entretenimento cuidadosamente evidenciadas pelo texto dramático deste filme poético e saudosista, ponto de partida para problematização de diversos temas já trabalhados previamente, tais como voz, entonação, entrevista, microfonia, impacto dos meios de comunicação na vida cotidiana, dentre outros tópicos que envolvem o estudo no terreno do Radiojornalismo.


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