Os Figurinos no Cinema
- Leonardo Campos
- 25 de jul. de 2024
- 15 min de leitura
Saiba mais sobre a importância desse setor que compõe o design de produção em narrativas audiovisuais.
O cinema é uma arte de setores, todos importantes para a formatação da estética desejada pela equipe de produção de um filme, tendo em vista alcançar na visualidade, aquilo que está disposto no texto dramático. Os figurinos, essenciais para o estabelecimento dos personagens diante das diversas situações no interior de uma cena, ocupam um espaço fundamental, ao evidenciar em sua concepção, os aspectos do roteiro que envolvem os perfis das figuras ficcionais que habitam uma narrativa cinematográfica. Dotados de dimensões físicas, sociais e psicológicas, os personagens representam tais características não apenas em suas ações e diálogos, mas também na maneira como aparecem para o espectador. Vejamos o caso de um clássico: Disque M Para Matar, do cineasta Alfred Hitchcock. A protagonista interpretada por Grace Kelly atravessa uma crise no casamento e se torna amante de um homem próximo do seu marido. Ao descobrir, o esposo encomenda a sua morte. O que ele não esperava, por sua vez, era que ela se safasse do assassinato, agora temerosa por sua vida, sem saber de onde vem a ameaça.
No preâmbulo da narrativa, a personagem pavimenta um caminho radiante em cada cena, com longos e volumosos vestidos de cores vibrantes, criador por Edith Head, a renomada figurinista do cinema hollywoodiano clássico. Quando a sua dimensão psicológica é perturbada, a personagem aparece em cena com roupas de cores menos intensas, demonstrando por meio dos trajes, a mudança de perspectiva para a sua existência. Ainda com Hitchcock, temos outro caso emblemático, o de Psicose, tradução intersemiótica do romance homônimo de Robert Bloch, o filme com a famosa cena de assassinato no chuveiro. Marion Crane, antes de cometer o roubo que a fará fugir e se hospedar no motel situado à beira de uma estrada, utiliza roupas íntimas claras, numa demonstração de singeleza, algo bruscamente modificado quando a personagem segue a sua trilha criminosa, com o mesmo tipo de roupa íntima exposta em cena, agora em tons escuros, visualmente concebidos numa direção de fotografia em preto e branco, mas ainda assim, notável para contemplarmos a sua evolução no âmbito da trama.
Diante do breve panorama inicial, podemos afirmar que o figurino não é apenas mais um setor coadjuvante do processo de construção de uma narrativa cinematográfica. O traje utilizado por um personagem dentro de uma produção artística é essencial para compreensão dos elementos que compõem uma narrativa. O profissional responsável por idealizar a criação de tal traje é o que chamamos de figurinista, parte integrante departamento de arte, setor responsável por tornar visual a ideia proposta pelo roteiro. Cenógrafos, diretores de arte, maquiadores e figurinistas estão dentro deste espaço, como profissionais incumbidos em dar corpo ao filme, juntamente com o diretor, os produtores, o diretor de fotografia, bem como os atores, pois é com eles que os figurinistas farão os seus testes e devidas estudos, tendo em vista inseri-los na dimensão do personagem a ser interpretado.
Uma das tarefas basilares dos figurinistas é a pesquisa. Depois, temos a devida compreensão do setor, para entendimento cabal dos mecanismos que engendram esta atividade. Ao adentrar numa produção, a pessoa na função de figurinista deve levar em consideração a época da trama, o local das filmagens, o perfil psicológico, social e físico dos personagens, bem como as orientações oriundas de outros profissionais, tais como a direção de fotografia, a direção de arte e a cenografia, para que a composição esteja dentro de uma proposta estética coesa. Vejamos outro caso exemplar, o drama As Horas, dirigido por Stephen Daldry, tradução para o cinema da novela de Michael Cunningham sobre a escritora Virginia Wolf. Situados numa paleta opaca, com predominância de tons marrons e brancos, o filme insere os seus personagens em profundo estado de conflitos psicológicos em meio aos espaços que carregam alguns objetos de cores mais vibrantes. Nesta produção, um elemento que ganha destaque é a presença dos adereços de Clarissa Vaugh, interpretada por Meryl Streep, com seus colares e pulseiras significativos.
Os itens podiam ser apenas um componente para explicar a dimensão social da personagem, uma mulher que vive numa condição financeira relativamente privilegiada, mas ao passo que os elementos numa cena específica, ganham mais notoriedade pelos gestos oriundos do comportamento ansioso da figura ficcional mergulhada numa situação de tensão constante. Ela gesticula, as pulseiras criam uma textura auditiva bem trabalhada pelo design de som e significam, em linhas gerais, que os adereços compostos pelos figurinos estão ali para ampliar as dimensões psicológicas da personagem. Nesta mesma história, composta por mais duas mulheres em épocas distintas, temos a mesma linha de criação em cores que demonstram o quão elas estão separadas pelo tempo, mas conflituosas em momentos de suas vidas que reforçam algumas condições desfavoráveis para as mulheres ao longo do século XX. Assim, enquanto crítico de cinema e docente da área, considero este um caso marcante e bem-sucedido na seara dos figurinos para linguagem cinematográfica.
E você, caro leitor, quantos figurinos estão marcados em sua memória? Esta é uma pergunta realizada pela diretora de arte Vera Hamburger, nos primeiros momentos de Arte em Cena – A Direção de Arte no Cinema Brasileiro. Referência na indústria cinematográfica brasileira, a profissional destaca alguns personagens e vestuários icônicos, produções que possuem amplo legado e impacto cultural, tais como as sensuais roupas noturnas de Rita Hayworth em na atmosfera noir de Gilda; o deslumbrante vestido esvoaçante de Marilyn Monroe em O Pecado Mora do Lado; os trajes macabros de José Mojica Marins para o mestre do terror Zé do Caixão; e Antônio das Mortes, de O Dragão da Maldade e o Santo Guerreiro, um dos últimos filmes do engajado Glauber Rocha. Depois deste pequeno panorama, Hamburger traça um painel com algumas questões basilares para compreensão da presença do figurinista no âmbito de uma produção cinematográfica.
De acordo com a autora, o figurino é “o ponto ativo do quadro, a caracterização de um personagem”. Como sabemos, o personagem é o centro nervoso de um roteiro, desta forma, o figurino surge como a sua representação plástica. Marcel Martin, um dos mais respeitados teóricos dos estudos da linguagem cinematográfica, juntamente com Gerard Berton, adotou uma classificação para os figurinos que os dividem em três categorias: os realistas, isto é, aqueles que retratam o vestuário da época retratada no filme com detalhes bastante específicos no que tange aos elementos históricos; os para-realistas (ou ultrarrealistas), denominados como aqueles em que o figurinista se inspira na moda da época para a realização do trabalho, mas no decorrer da sua produção, a estilização dos trajes prevalece sobre a exatidão histórica; e os simbólicos, figurinos que deixam de lado a exatidão histórica para exercer outra função, isto é, compor uma tradução simbólica para criar aproximação com os estados dramáticos e psicológicos dos personagens.
Ademais, os figurinos e a narrativa estão interligados no que diz respeito ao estilo adotado (realista, ultrarrealista ou simbólico, propostos pelos teóricos Martin e Berton); as cores, pois tais elementos expressam sensações e possibilitam a definição do estado psicológico do personagem, além de dar pistas do gênero do filme; ao volume, responsável por observar aspectos do corpo do ator e adequá-lo às necessidades dramatúrgicas; a textura, elemento que permite o relacionamento do personagem com seu grupo, condição social, etc.; o contexto e o ambiente, questões de fundamental importância por conta da possibilidade de descaracterização, e por sua vez, perda da verossimilhança do filme; a silhueta, que também não poderia ficar de fora, afinal, cada período, inclusive o nosso, tem um contorno e uma silhueta bem definidos, o que permite a inserção temporal do personagem no bojo de um tecido narrativo.
Em uma de suas tantas reflexões, Umberto Eco afirmou que “o vestuário é comunicação, além de cobrir o corpo da nudez”. Sempre atento às necessidades do roteiro, bem como do orçamento de um filme, o figurinista é o responsável por cuidar das roupas e acessórios dos personagens. Para isso, a leitura do roteiro e a intensa pesquisa são elementos basilares para a realização da função. Se você assistiu ao musical Nine, de Rob Marshall, adaptação da peça homônima da Broadway, deve se lembrar da cena que a figurinista interpretada por Judi Dench tenta desenhar o figurino de Claudia (Nicole Kidman), a musa da nova produção de Guido Contini (Daniel Day-Lewis), mas como o conflito do filme nos mostra um cineasta autoral com crise criativa e incapaz de escrever sua nova história, os demais personagens não conseguem realizar as suas funções. Claudia chega a criticar o diretor, reclamando sobre como vai fazer testes de fotografia se não sabe sequer as falas de seu personagem. Parte integrante do departamento de arte, os responsáveis pelo figurino precisam estar alinhados com a cenografia do filme, atentos sempre ao que compõe a narrativa, pois o foco é evitar discrepâncias visuais.
Toda peça presente em um filme busca dialogar, mesmo que inconscientemente, com os códigos sociais vigentes. Os figurinos são parte, inclusive, do avanço cronológico de um filme, sendo também responsável por informar a localização geográfica e a época em que a história é contada. Trazendo de volta as colocações bastante elucidativas de Vera Hamburger, “o figurino colabora, de maneira essencial, para a atmosfera geral do filme”. E mais, a especialista afirma que “do desenho inicial à roupa, um longo processo se desenrolar”. O figurinista, através da prática da experimentação, testa a roupa nos atores, busca tecidos que tenham as cores, texturas e caimentos que dialoguem com a sua produção, além de tingir, bordar, criar botões, golas, rendas e demais acessórios. Há “orçamentos” e “orçamentos”, mas independente do valor de crédito, os profissionais, brasileiros, estadunidenses, alemães ou de qualquer localidade, podem encontrar as roupas em brechós, bazares, lojas ou realiza-las especialmente para a produção.
Assim, além do orçamento, para funcionar, os figurinos dependem também da criatividade dos envolvidos. Durante um evento de Moda e Design, Sarina Sena, jornalista e assistente de figurino, contou que os figurinistas vasculham todas as informações possíveis sobre o personagem no processo de pré-produção. Com os elementos selecionados numa pasta (dossiê), é feita a reunião com os demais profissionais do setor de arte, bem como o diretor e os atores. Caso o sinal verde seja fornecido, a produção segue adiante. No caso de ressalvas, os responsáveis pelo figurino vão buscar a adequação solicitada. Sendo assim, aos figurinistas de plantão, é preciso compreender que é para exercer bem a função, você precisará ver muitas fotos, filmes, séries, livros, acessar a internet, procurar em revistas, etc. Em linhas gerais, ser um pesquisador interessado em seu processo criativo, algo que não precisa necessariamente criar algo novo, mas expor em cena, coesão e coerência com as propostas narrativas do projeto em que a sua função se faz necessária e predominante para a composição estética da trama.
Nesta linha de orientações que prezam a criatividade acompanhada da investigação, um dos passos primordiais para compreender melhor a importância dos figurinos é o estudo de outras produções cinematográficas que apresentam um destaque a mais deste setor. Para a criação da aula sobre Figurinos no Cinema, parte integrante da primeira edição do curso Leitura de Cinema II, idealizado pelos cineclubes Cinecitta, Fruto do Mato, Vesúvio e Janela Indiscreta. Comecemos com os figurinos de Donna Zakowska em Kate e Leopold, comédia romântica dirigida por James Mangold, trama que nos apresenta um duque de 1986 que viaja no tempo e se apaixona por uma mulher na contemporaneidade. Os acessórios, vestidos e roupas de baile são belíssimos, mas há um destaque para a etapa mais difícil, o vestido utilizado pela personagem de Meg Ryan próximo ao final, quando ela sai de um baile direto para o século XIX. Segundo a figurinista, foi o momento mais complexo, pois era preciso criar algo que interligasse os períodos de viagem no tempo vividos pela personagem.
Saindo da doçura para uma atmosfera mais sensual e intensa, temos os figurinos de Ellen Hirojnick em Atração Fatal, suspense de 1987 que é um dos um dos clássicos modernos responsáveis por cristalizar a imagem das mulheres possessivas no cinema. No filme dirigido por Adrian Lynne, acompanhamos um espetáculo claustrofóbico sobre um homem (Michael Douglas) sendo perseguido por sua “aventura de um final de semana”, a enigmática (Glenn Close), o que o coloca em perigo, juntamente com a sua família. A figurinista dá uma aula de cinema ao afirmar que todos (diretor de arte, cenógrafo, maquiagem e figurino) fazem parte do quebra-cabeça para chegar ao diretor do filme e, ao seguir as orientações de produção, ela vestiu Michael Douglas com roupas simples, típicas de um homem comum, dando o destaque para a personagem de Glenn Close, atriz que até então tinha sido vista de maneira pudica no cinema, numa nova roupagem transformadora.
Outro caso emblemático é o trabalho da figurinista Eiko Ishioka, na tradução do romance Drácula, de Bram Stoker, dirigida por Francis Ford Copolla, em 1992, com participação de Gary Oldman, Winona Ryder, Anthony Hopkins e Keanu Reeves no elenco. A figurinista contou que durante a pré-produção, o cineasta ligou e disse que “o figurino vai ser o set. E o set vai ser iluminação”. Com estas palavras, Copolla deu os indícios do que seria o visual do filme, produção dedicada a aproveitar bastante dos espaços e das sombras, para que sobrasse verba para o desenvolvimento dos figurinos, em suas palavras, “a joia do set”. Eiko Ishioka contou que em sua concepção, o personagem precisava sair do clichê, pois a longa tradição na história do cinema o tinha transformado num estereótipo. Com uso de cores bizantinas e inspiração em pintores simbolistas, em especial, a obra The Kiss, de Klint, sugerida por Copolla durante uma reunião, a figurinista sentiu a presença do híbrido cultural oriente-ocidente, aproveitando-o para a composição dos trajes presentes nesta adaptação. Com figurinos femininos que versam entre o virginal e o erótico, há um vestido de casamento inspirando em um lagarto e uma armadura de Drácula baseada em um tatu.
Colleen Atwood também foi contemplada nesta pesquisa, por seu trabalho em Memórias de Uma Gueixa, filme dirigido por Rob Marshall, ganhador do Oscar de Melhor Figurino, adaptação do romance homônimo de Arthur Golden para as telas. A trama nos conta a dramática história de uma menina que é vendida para uma casa de gueixas por seus pais. Segundo os envolvidos na produção, as gueixas eram influenciadoras da moda feminina no Japão. Durante a produção Colleen Atwood tomou algumas liberdades, tendo em vista dar um caráter diferenciado para a obra, sem a precisão histórica tão cirúrgica. Dois elementos se destacam: o corte para demonstração de um trecho do pescoço na parte de trás da cabeça, tendo em mira exalar mistério na narrativa, bem como as cinturas mais apertadas, menos quadradas, oriundas de alguns figurinos que tinha até doze peças por debaixo da roupa principal. Ainda na seara épica, temos a jornada de Jacqueline West em Contos Proibidos do Marquês de Sade, narrativa sobre um marquês que vive os últimos dias de sua vida em um asilo.
Por apresentar comportamento caótico, é proibido de exercer a escrita, o que torna a sua permanência um caos absoluto. Sob a direção de Philip Kaufman, o filme é um drama de época que retrata fielmente os trajes do período retratado. Como afirmou a figurinista Jacqueline West sobre o seu processo produtivo, o cineasta não queria um guarda roupa estilizado, o seu interesse era mostrar, através do visual, os personagens de dentro para fora. De acordo com as suas pesquisas, West descobriu que na época, Napoleão havia sido aconselhado a simplificar os códigos da moda. Na produção há a presença do estilo greco-romano, com traços cleans. Royer Collard (Michael Caine) evolui ao começar a utilizar capas que demonstram que o caminho tenebroso, feio e maligno que começara a seguir. Madeleine (Kate Winslet) faz parte da classe operária, por isso, seu figurino é bastante simplório, afinal, conforme as pesquisas, a figurinista afirmou que as roupas vinham de doações da Igreja e eram os restos indesejados da elite social. O Marquês de Sade (Geoffrey Rush) teve um dos figurinos mais trabalhosos, pois a produção precisou reproduzir a escrita do marques toda, e logo depois, transmiti-la para o tecido. O abade interpretado por Joaquin Phoenix utiliza roupas básicas de padre e depois começa a aparecer “desmazelado”, numa espécie de metáfora para o seu estado de espírito ao perder o controle do hospício, bem na linha do solicitado pelo cineasta: “personagens representados de dentro para fora”, o que se aplica também para a recatada Simone (Amelia Warner), jovem que sai do convento e ao ter contato com os escritos do marquês, torna-se mais mundana e sensual.
Da atmosfera sexual e carregada psicologicamente, seguimos para os figurinos de Jenny Beavan em Casanova, comédia dramática sobre o famoso personagem que coloca a sua vida em risco neste filme, ao ser rejeitado por uma moça e buscar, através de estratégias diversas, uma forma de conquista-la. Com direção de Lasse Hallstrom, o filme trouxe o ator Heath Ledger exalando charme através de seus figurinos exuberantes. Para a figurinista Jenny Beavan, “este é um período maravilhoso de desenhar”. Ela investiu nas cores e extravagancias da época, estudou artistas como Guardi, Pietro Longhi e outros venezianos, tendo em mira o azul turquesa, amarelão âmbar e o vermelho queimado. Os figurinos dos seus protagonistas espelhavam as suas histórias. Francesca Bruni (Sienna Miller) faz uma acadêmica que não se importa nem um pouco com as suas roupas, o contraste de sua mãe, personagem frívola e sofisticada quando o assunto é moda. Victoria (Natalie Dormer) representa uma virgem de Veneza que aparece sempre de rosa. Boa parte do figurino do filme se inspira em máscaras e suas possibilidades simbólicas de ocultação de identidade, o que dá direito a penas, purpurinas, vidrilhos e muitas rendas.
Na mesma linha épica, geralmente mais complexa em termos de volume, temos os figurinos de Jacqueline Durran em Anna Karenina, adaptação cheia de classe do cineasta Joe Wright para o romance homônimo de Tolstoi, publicado em 1877. A produção ganhou o Oscar de Melhor Figurino ao mergulhar com estilo no século XIX e nos contar a história de Anna Karenina (Keira Knightley), uma mulher casada com Alexei Kareni (Jude Law), um rico funcionário do governo. Numa viagem para consolar a irmã por conta de um problema no casamento, ela conhece o Conde Vronsky (Aaron Johnson), ao passo que a narrativa avança e ele a corteja frequentemente, apaixonam-se e um destino trágico começa a ser delineado. Segundo a figurinista Jacqueline Durran, quando o cineasta a procurou, o interesse era num “figurino libertador que não se prendesse apenas a uma época”, tendo em vista mesclar a moda dos anos 1950 com a silhueta dos anos 1870. Semelhante ao que Sharen Davis alegou sobre Tarantino em Django Livre, o diretor Joe Wright entende de moda, estilo e época, o que tornou a concepção dos personagens mais completa. Entre os destaques temos os uniformes masculinos, inspirados nos trajes de militares russos; o contraste entre Anna e o Conde numa cena de dança, com uso de preto (ela) e branco (ele) que nos remete ao Yin Yang, num filme de época que a figurinista chamou de banquete visual não convencional, tampouco naturalista.
Outro caso que merece destaque: os figurinos de Michael O’Connor em A Duquesa, drama de época baseado no romance homônimo de Amanda Foreman, o filme versa sobre a vida de Georgiana Cavendish, a Duquesa de Devonshire, exuberante aristocrata inglesa do século XVIII. Dirigido por Saul Dibb, o filme ganhou o Oscar de Melhor Figurino e trouxe Keira Knightley como a personagem título, sempre em bom desempenho dramático em figurinos que levavam duas horas para serem ajustados no corpo. Como o filme tratava de relacionamentos, o cineasta pediu ao figurinista Michael O’ Connor que evitasse distrações, pois o foco eram os diálogos. Dentre os principais detalhes podemos destacar os personagens extras, presentes em cena sempre em trajes pálidos, tendo em mira não ofuscar o impacto da protagonista; a cena do jantar, momento em que ela aparece diante de uma mesa repleta de homens, o que pedia um vestido que transmitisse o seu poder diante ao adentrar um universo hostil de pensamentos patriarcais. Há um momento interessante para pensar figurino quando ela surge num teatro utilizando penas. Num evento seguinte, várias pessoas seguem os seus passos e fazem o mesmo. Era a duquesa ditando moda, tal como as vedetes clássicas de Hollywood e as celebridades contemporâneas.
E a importância dos figurinos não está apenas em dramas de época, musicais ou produções de cineastas mais renomados. No esquema popular de entretenimento massivo, o setor passa pelas mesmas preocupações de ordem estética, como é o caso dos figurinos de Richard Bridgland em Resident Evil: O Hóspede Maldito, narrativa baseada no jogo homônimo, um filme de ação/terror/ficção científica lançado em 2002, com direção e roteiro de Paul W. S. Anderson. A atriz Milla Jovovich é a protagonista desta trama cheia de adrenalina, zumbis e um mistério envolvendo uma poderosa corporação. O figurinista Richard Bridgland, ao desenhar o figurino da personagem, optou pela saia e vestido ao mesmo tempo, tendo em vista valorizar as suas formas, afinal, ela está constantemente em combate. Responsável por também assinar o design de produção, Bridgland reforçou que “a criação do figurino veio naturalmente e como sabia que haveria ligação com cenário, criou visual com brilho monocromático”. Há preocupações semelhantes nos figurinos de James Acheson em Homem-Aranha 2, focado na mobilidade do personagem-título. Na trama, Peter Parker (Tobey Maguire) precisa gerenciar os seus poderes e demais funções, inclusive o relacionamento com a jovem Mary Jane Watson (Kristen Dunst). O problema é que surge em seu caminho o Dr. Octopus (Alfred Molina), um homem arrasado por uma experiência desastrosa em um laboratório, além do recente falecimento da esposa. Para enfrentar os novos obstáculos, o figurinista James Acheson desenhou um uniforme ainda mais próximo do que achava ser o Homem-Aranha ideal, com teias nas luvas, ao invés de listas mais simplórias, isto é, acabamento mais elegante, num traje que levava em média duas semanas para ficar pronto. Segundo Acheson, “foram seis meses para tomar todas as decisões cabíveis”, o que culminou num figurino mais bem detalhado que o apresentado no filme anterior: emprego do azul e do vermelho em escalas mais escuras, além do processo de sublimação impressa, segmento diferente da composição com seda, o que permitiu a produção menos custos de tempo e dinheiro. Todas as estratégias tomadas para um personagem que é um verdadeiro acrobata, dotado de muita flexibilidade e movimentos frenéticos.
Em Moulin Rouge – Amor em Vermelho, dirigido por Baz Lurhmann, Satine (Nicole Kidman), principal cortesã da casa noturna parisiense teve os seus figurinos desenhados cuidadosamente por Angus Strathie e Catherine Martin, pois era preciso transmitir a miscelânea metalinguística através da imagem do personagem, uma espécie de “Marlene Dietrich, Marilyn Monroe e Madonna”. Numa seara totalmente inversa ao clima musical da produção, temos a ilustração do slasher Halloween H20: Vintes Anos Depois, de Steve Miner, sequência do filme de 1978, com a personagem Laurie Strode, de Jamie Lee Curtis, numa mudança de nome e cidade para fugir dos traumas do passado, marcada pela morte de toda a sua família pelo psicopata Michael Myers. Durante o filme, o seu figurino está conectado com a discrição, sempre com a união do branco mesclado com marrom ou cinza, sem excessos, pois qualquer elemento mal conectado não dialogaria com o perfil temeroso, angustiado e circunspecto da personagem. São exemplos retratados no curso Leitura de Cinema II, demonstrações da relevância e dos processos que compõem a criação de figurinos no esquema de produção cinematográfica.
Referências
CERQUEIRA, Leonardo Campos. A linguagem do cinema. Vento Leste: Salvador, 2018.
DUARTE, Roberto Lyrio. Primeiro traço: manual descomplicado de roteiro. EDUFBA: Salvador, 2009.
HAMBURGUER, Vera. Arte em cena: direção de arte no cinema brasileiro. Editora SENAC: São Paulo, 2014.
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