Literatura e Fotografia: Evandro Teixeira e Vidas Secas
- Leonardo Campos
- 24 de jul. de 2024
- 3 min de leitura
Uma tradução fotográfica do romance Graciliano Ramos, realizada pelo renomado fotojornalista Evandro Teixeira.

Quando Vidas Secas, de Graciliano Ramos, romance associado pela crítica literária aos livros da Geração de 30, completou 70 anos, o retomado fotojornalista Evandro Teixeira atravessou os territórios sertanejos de Alagoas e de Pernambuco para compor um conjunto de imagens que funcionassem como sua tradução em imagens para o icônico romance publicado em 1938. A edição, criada com primor estético e cautela literária foi lançada em 2008 e ganhou capa dura pomposa, luva com muito estilo, numa respeitosa edição para o romance que é um grande marco da nossa literatura do século XX, constantemente presente em concursos, vestibulares, tópicos temáticos de artigos, dissertações e teses acadêmicas, dentre outras instâncias de reflexão sobre literatura e cultura. Neste breve artigo, pretendo analisar a publicação em questão, inicialmente fazendo um passeio pelo livro de Graciliano Ramos, posteriormente fornecendo ao leitor mecanismos para o trabalho de análise fotográfica, para na terceira parte, o desfecho, tecer reflexões sobre o processo de tradução de Evandro Teixeira. Vamos nessa?
Publicado depois da prisão do escritor pelo Estado Novo, Vidas Secas é um romance composto por capítulos desmontáveis, que nos possibilitam a sua leitura dissociados do conjunto, como contos sobre personagens dispersos pelo árido e inóspito sertão nordestino, um espaço de estabelecimento da miséria social que acomete o Brasil há eras. Na história, acompanhamos os arroubos silenciosos de Fabiano, Sinhá Vitória e seus filhos, o Menino Mais Velho e o Menino Mais Novo, acompanhados da humanizada Baleia, a cadela da família, personagem marcante por diversos motivos, dentre eles, a sua curiosa presença antropomórfica. Nesta jornada, eles atravessam o sertão e enfrentam por privações de todo tipo. Sofridos, os personagens ainda precisam tentar lidar as instâncias de poder, representadas na figura do Soldado Amarelo, além do esquema feudal de pertencimento ao trabalho, com ecos das relações feudais, em pleno século XX. Nesta travessia opressora, buscam driblar a circularidade de seus trajetos, mas a realidade é escaldante e ocre, como o próprio sertão, sem muito espaço para esperanças, delineando que a falta de perspectiva precisa ser aceita e vivida em sua terrível intensidade.

A subjetividade é um traço marcante da edição de 70 anos de Vidas Secas, acompanhada da tradução fotográfica de Evandro Teixeira, profissional que nasceu na região nordestina, em 1935, tendo sido marcado por memórias pessoais evocadas em suas imagens de visualidade intimista da população sertaneja, figuras sujeitas ao processo de mobilidade diante da insubmissa condição geográfica de uma região marcada por desigualdades sociais. Em sua composição, há planos distantes, que representam o isolamento destas pessoas em suas condições complexas, num trabalho primoroso que não insere aleatoriamente os personagens fotografados na paisagem, mas cria significados para as suas respectivas presenças, denotando a intenção do profissional em não aderir ao pueril flagrante supostamente aleatório, mas criar imagens com tons dramáticos, com cuidadosa oscilação entre luz e sombra, se distanciando da ilustração para entregar aos leitores da edição um cruzamento entre fotografia e literatura.
Ao longo das 208 páginas, Evandro Teixeira se apresenta como um construtor da realidade nordestina por meio de seu filtro cultural, isto é, a câmera fotográfica, imbuído pela representação deste “real” através da subjetividade, relacionada com a sua trajetória influenciada pelas diversas técnicas e estéticas, bem como a sua aproximação empírica com o ambiente retratado. Neste espaço formatado historicamente, o fotógrafo vive novas experiências, posteriores ao seu projeto sobre Antônio Conselheiro, Os Sertões e os conflitos de Canudos, desenvolvido na segunda metade dos anos 1990. O tom biográfico permeia todas as imagens, num trabalho que também se destaca pela expressividade do tom psicológico, postura que nos apresenta alguém saindo pela tangente e evitando a construção de um equivocado discurso panfletário, um risco para uma jornada do tipo. Os efeitos de seca estão delineados no design de suas imagens, não deixando de ser politicamente engajado e socialmente crítico. Vidas Secas: 70 anos, fotografado por Evandro Teixeira, é um deleite para os amantes da fotografia e da tradução intersemiótica.
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