Literatura e Cultura: o Indianismo na Poesia Romântica de Gonçalves Dias
- Leonardo Campos
- 18 de set. de 2024
- 7 min de leitura
Atualizado: 18 de set. de 2024
Saiba mais sobre a poesia de um dos principais expoentes do indianismo no romantismo literário brasileiro.
Ela está presente em nosso parnasiano Hino Nacional. Foi lida e relida por outros escritores, tais como Casimiro de Abreu, Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes, Oswald de Andrade, dentre outros, bem como por Chico Buarque e Tom Jobim, em “Sabiá”, clássico da MPB. Assim é a Canção do Exílio, de Gonçalves Dias, publicado em 1843, poema que pode ser considerado o passaporte do escritor para a imortalidade literária, composto enquanto o poeta se encontrava em Coimbra estudando, missão idealizada por sua família abastada, preocupada com a educação desta figura pública que representou o exotismo do território brasileiro recém-independente e as tradições dos indígenas, numa observação lírica desta nação ainda em processo formativo, incipiente, caldeirão de culturas oriundas do violento processo de colonização desde o século XVI, em linhas gerais, uma poesia em busca da identidade nacional.
O poema se encontra devidamente organizado em Poesia Lírica e Indianista, acompanhado de notas e apresentação da pesquisadora Márcia Lígia Guidin, publicação da Série Bom Livro, da editora Ática, uma das melhores versões para quem se interessa pelo olhar pedagógico do poema, constantemente presente em vestibulares e parte da formação básica do nosso público estudante. Para entender a proposta da Canção do Exílio, torna-se relevante investigar um pouco sobre a jornada deste agente do discurso do romantismo brasileiro, autor que integra, ao lado de Gonçalves de Magalhães, o posto de figura de renome da poesia indianista, ufanista e reinterpretada posteriormente por diversos escritores, alguns deles, mencionados na abertura desta crítica. Dias tomou o ambiente brasileiro e as tradições indígenas como mote para as suas criações, num caminho poético pavimentado também por composições repletas de lirismo envolvendo amor, saudade e desejo.
Simples, mas representativo, Canção do Exílio traz rimas oxítonas, versos de sete sílabas, conhecidos por redondilhas maiores, sem adjetivação, mas ainda assim, funcional como uma espécie de louvor para a sua pátria longínqua, em especial, a sua natureza exuberante, exaltada nas passagens deste poema de cinco estrofes, formado por três quartetos e dois sextetos, rimados nos versos pares, recurso ausente nas demais passagens desta composição que reflete sobre Brasil e Portugal sem precisar citá-los, numa abordagem do exílio físico e geográfico do escritor que declama sobre o sabiá, ave representativa dos maranhenses, a sua terra natal. Tomado pelo patriotismo oriundo da quebra de aliança entre as duas nações, antes integrantes de uma relação de colonizador e colonizado e, agora, preocupado em criar a sua própria estrutura cultural, Gonçalves Dias insere em sua poesia os elementos encontrados em seus estudos historiográficos e etnográficos sobre a figura do índio, símbolo de primitivismo para os europeus.
O poeta se esforçou para que a sua poesia pudesse expressar com naturalidade os ideais indígenas. Dias é de uma tradição que acreditava na missão de beleza da poesia, numa postura de compositor que tinha como direcionamento, a liberdade, a justiça, a vocação superior, em suma, parte de um grupo de escritores que se viam superior aos mortais, quase que mediúnicos em suas visões ufanistas e intelectuais. Era uma época de indagação sobre como erguer, na literatura, as etnias que representam o já multicultural povo brasileiro. Assim, ao trazer o “outro” para a poesia, descreve os seus costumes, bem como delineia as paisagens e belezas de sua terra, num olhar poético idílico, unificando características clássicas com o que existia de mais moderno, neste caso, no bojo da produção literária romântica do século XIX.
Além da Canção do Exílio, o poeta Gonçalves Dias também assina outro poema importante para a compreensão contextual e estética do Romantismo Brasileiro. Em Juca-Pirama, com breve análise disponível logo depois do mapa mental, o autor traz por meio de uma abordagem épica, traços do estilo romântico na poesia da época.

Um épico da poesia que emula traços da cultura indígena e os relaciona com os ideais literários europeus, em especial, a tradicional questão da honra, muito comum nas narrativas de cavalaria, tema que ressoa ainda hoje no campo da literatura. Inserido no esquema de olhar europeizado, a figura do índio é delineada, em Juca-Pirama, como um herói repleto de paradoxos. Ele é aquele que é bravo e guerreiro, mas que também tem sentimentalismo e pode chorar. Em seu desenvolvimento com liberdade na construção das estrofes, presença de ritmos variados e densidade na elaboração dos perfis do herói principal, o poema busca um retorno ao que é considerado como nossas origens, um traço característico dos primeiros momentos do romantismo brasileiro, período da nossa história cultural envolto em sentimentos nacionalistas de uma terra recentemente independente, haja vista a conexão com a publicação deste clássico em 1851, hoje espalhado como um rizoma na era da reprodutibilidade técnica e transformado em história em quadrinhos, audiobook, dentre outros, faltando apenas um bom filme para utilizar a sua estrutura potencialmente assertiva como ponto de partida para um épico grandioso, ainda não realizado até então em nosso cinema, tampouco no sistema estrangeiro.
Considerado como uma das principais composições de Gonçalves Dias, Juca-Pirama aborda uma heroica jornada de tribos em embate, um choque para o olhar europeu civilizado, a contemplar os costumes do território brasileiro com assombro, haja vista a sua selvageria. Ao longo dos 484 versos dos 10 cantos deste clássico do romantismo brasileiro, nos deparamos com a narração do aprisionamento de um indígena Tupi que vivia na região litorânea de sua terra. Ele é solapado pelos Timbiras, agrupamento que habitava as zonas continentais interioranas. Tendo o deslumbre e a exuberância da vegetação local como cenário, o poema narrado com dramaticidade em terceira pessoa relata a trajetória de um personagem que fica à espera de seu sacrifício. Como de costume, quando alguém pertencente de uma tribo era vencido pelos rivais, a sua carne precisava ser apreciada para alimentação dos vencedores, figuras que poderiam adquirir os seus traços de personalidade guerreira e brava. Algo inesperado, por sua vez, se estabelece.
Antes de ser abatido, o índio recebe uma solicitação: narras as suas façanhas para que os seus inimigos tenha mais sabor ao transformar a sua existência em história. No relato, ele pede clemência e revela que é o único sobrevivente de sua tribo e, além disso, o porto seguro para o seu pai, um velho já cego que depende dele para tudo. Diante da declaração, o chefe dos Timbiras pede que o libertem, sem antes não deixar de chama-lo de covarde, traço característico que ele não desejava para os seus guerreiros. Quando volta para a sua aldeia, o pai cego, mas com olfato apurado, sente o cheio do produto utilizado para preparação dos prisioneiros de guerra e questiona o filho. Ao relatar à sua maneira a história, o pai o faz retornar de onde veio e assumir a sua posição heroica de enfretamento dos demais. O chefe dos Timbiras, por sua vez, conta o acontecido e o choro do indígena diante da morte. Revoltado, o representante Tupi amaldiçoa o seu filho, considerando-o um covarde, ainda exigindo postura de batalha.
Preocupado, o personagem se volta sozinho conta a tribo, mas o representante dos Timbiras consegue contornar a situação e muda o andamento das coisas, culminando no desfecho em que pai e filho reatam e retornam ao clima de companheirismo anteriormente solidificado. Em flashback, contada por gerações por um velho Timbira, acompanhamos esta empolgante história que pede um leitor com perspectiva diacrônica para tentar transformar a empreitada literária numa travessia de entretenimento, indo além da pura análise estudantil. É um poema complexo para o olhar contemporâneo, de passagens cifradas, preenchidas por vocabulário específico de uma época, mas no final das contas, ler Juca-Pirama é uma jornada satisfatória para os interessados em estruturas poéticas. O seu desenvolvimento é uma ilustração cabal daquilo a que somos apresentados durante os estudos da época escolar, isto é, a fase indianista do período romântico brasileiro, mencionado na abertura desta breve análise, conhecido por exaltar as belezas naturais e transformar a figura indígena num personagem heroico, puro, representante da brasilidade aflorada neste momento ufanista.
As habituais peculiaridades dos movimentos literários, como nos demais textos por aqui, seguem logo mais. Mas, não esqueçam da nossa regra: ler as "obras" em si é requisito básico para o desenvolvimento do seu repertório cultural, crítico e vocabular, combinado?
A poesia indianista no Romantismo brasileiro é uma vertente literária que se destaca por valorizar e idealizar a figura do índio, apresentando-o como herói nacional e símbolo de pureza e liberdade. Saiba mais:
1. Exaltação do Índio: O indígena é retratado como um herói nobre, valente e virtuoso, simbolizando a pureza e a autenticidade da nação brasileira.
2. Natureza Exuberante: Descrição detalhada e idealizada da paisagem natural brasileira, com enfoque em florestas, rios e a vida selvagem, criando uma ligação estreita entre o índio e o meio ambiente.
3. Nacionalismo: Uma forte preocupação em afirmar a identidade nacional brasileira e em valorizar os elementos culturais e históricos do Brasil.
4. Mitificação do Passado: O passado pré-colonial e colonial é romantizado, com ênfase nas tradições, nos mitos e nas lendas indígenas.
5. Idealização Amorosa: As relações amorosas são descritas de maneira idealizada, muitas vezes refletindo a pureza e a sinceridade do amor indígena.
6. Linguagem Poética Rica: Uso de uma linguagem elaborada e poética para transmitir a grandiosidade das paisagens e dos sentimentos dos personagens.
7. Temas de Liberdade: A liberdade e a bravura do índio são exaltadas, frequentemente em oposição ao colonizador europeu.
8. Inspiração em Fontes Orais: Influência de contos, lendas e tradições orais indígenas, integrando elementos autênticos da cultura nativa.
9. Simplicidade e Pureza: As figuras indígenas são muitas vezes representadas com simplicidade e pureza moral, em contraste com a corrupção da civilização europeia.
10. Melancolia e Saudosismo: Um tom melancólico e nostálgico que evoca a dor da perda de uma era supostamente mais simples e harmoniosa.
Essas características podem ser claramente observadas nas obras de poetas românticos brasileiros como Gonçalves Dias, que é um dos expoentes mais conhecidos da poesia indianista.
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