top of page

Literatura e Cultura: Do Amor em Marília de Dirceu ao Discurso Político das Cartas Chilenas: Tomás Antônio Gonzaga e o Arcadismo

Saiba mais sobre a poesia de um dos principais expoentes do Arcadismo na história da Literatura Brasileira.

Marília de Dirceu Cartas Chilenas Arcadismo
Fonte: Leonardo Campos

Escrito num contexto histórico perturbador, parecido com o pesadelo que nós brasileiros atravessamos nos últimos anos, Cartas Chilenas é uma ousada construção literária de Tomás Antônio Gonzaga, um dos grandes nomes do período chamado de Arcadismo Brasileiro. Satírico e com fortes críticas ao avanço da opressão colonizadora portuguesa, a publicação marcou a carreira do autor e ao lado das liras de Marília de Dirceu, formam os textos de destaque do autor que é um considerável expoente da literatura brasileira. Data de 1845 a sua primeira publicação, mas foi escrito no período da Inconfidência Mineira, por volta de 1789, era de impostos abusivos, território brasileiro cada vez mais explorado e não recuperado em tempo, com o clero cheio de privilégios e a população mergulhada num fisco assustador. A chegada da derrama, cobrança de todos os impostos em atrasos, foi o ponto máximo da pressão que mexeu com a sociedade e causou os levantes que culminaram em sua prisão e exílio para Moçambique.


Enquanto assumia o cargo de ouvidor, Tomás Antônio Gonzaga tinha as suas decisões desrespeitadas constantemente. Atos de corrupção, nepotismo e outros problemas no bojo da política impediam avanços e deixavam o território cada vez mais atrelado aos desmandos dos portugueses, na posição de colonizadores bastante repressivos. Cartas Chilenas satiriza o governo mineiro da época e os comportamentos políticos por meio de 13 poemas situados na cidade de Vila Rica, atual Ouro Preto, no mencionado contexto dos inconfidentes mineiros. Sob o pseudônimo de Critilo, o autor escreve para o seu amigo Doroteu, figura que se descobriu depois ser o poeta Cláudio Manuel da Costa. Anônimo, o material circulou durante bastante tempo sem o reconhecimento cabal de seu responsável, algo elucidado em pesquisas acadêmicas e muitas investigações de especialistas, em especial, a jornada científica de Rodrigues Lapa.


Com escrita agressiva, a publicação em verbos decassílabos e brancos tem um direcionamento bem específico: os atos corruptos de Luís da Cunha Meneses, governador local entre 1783 e 1788, aqui representado pelo “personagem” Fanfarrão Minésio, governador do Chile. Acompanhamos isto nas 13 cartas, focadas na postura narcisista do governante, seu mencionado nepotismo, bem como as falhas da administração, num contexto que nos parece tão familiar que as semelhanças com o Brasil contemporâneo são gritantes. Provavelmente inspiradas nas Cartas Persas, assinadas por Montesquieu e publicada anonimamente em 1721, as Cartas Chilenas do inconfidente mineiro começa com a descrição da chegada do governador, tema da primeira carta. Em seu segundo momento, mais descrições, agora sobre a centralização dos negócios do governo, abordagem que continuam com as injustiças perpetradas pelo representante, alvo de revolta pelo autor na terceira carta. A temática continua na composição seguinte.


Um festejo de casamento torna-se o direcionamento da quinta carta, assunto que continua mais adiante, na sexta, pormenorizada no sentido da cobertura das confusões que ocorrem durante o evento delineado com precisão e altas doses de ironia pelo autor. As decisões do governador, dono da tal festa, são mencionadas na sétima carta, ponto ainda mais ironizado na composição posterior, conteúdo que contém mais descrições das falcatruas do político. As desordens se seguem nas cartas nove e dez, com crítica aos métodos maliciosos do governador na décima primeira. O nepotismo vem com força na penúltima carta e a perversidade desta austera figura política se desenvolve na inacabada décima terceira, ponto de encerramento das Cartas Chilenas, de Tomás Antônio Gonzaga, um considerável agente do discurso da nossa literatura em fase colonial, já impulsionada por revoluções estrangeiras que ganhariam ressonâncias em outros movimentos políticos de um território em ebulição social. 


Depois do infográfico, caro leitor, conheça mais sobre a poesia do autor em Marília de Dirceu.

Marília de Dirceu Cartas Chilenas Arcadismo
Fonte: Pinterest

O amor entre duas pessoas como mote para a composição de um poema é o que encontramos em Marília de Dirceu, obra de Tomás Antônio Gonzaga que ao lado de suas satíricas Cartas Chilenas, demarcam o cartão-postal de sua carreira intelectual e literária. Mergulhado num complexo contexto histórico de reverberações que posso apontar como ainda presentes na contemporaneidade, salvaguardadas as devidas proporções comparativas, o autor responsável pelas aclamadas liras, associadas ao Arcadismo, colocou em cada vocábulo de suas estrofes a exasperação de seus sentimentos, a dor da perda da mulher que seria a sua acompanhante para toda a vida, além de desenhar, para os seus leitores, cenas do Brasil de sua época, retratados por meio das palavras cuidadosamente alinhadas em cada passagem poética de sua composição. Aos leitores, o básico: Marília de Dirceu versa sobre o amor entre o poeta e a sua musa, Doroteia de Seixas Brandão. Ela a conheceu quando a jovem tinha apenas 17 anos. Tudo indicava um retumbante jargão de “felizes para sempre”, mas a situação política do país e alguns contratempos sociais impediram que este amor se perpetuasse para a “eternidade”.


Dividida em três partes, isto é, o antes, durante e o depois do envolvimento de Tomás Antônio Gonzaga com a Inconfidência Mineira, Marília de Dirceu hoje é uma publicação encontrada em duas partes, haja vista a decisão de um dos maiores especialistas em sua composição, Leonardo Campos, pesquisador que acredita nesta modalidade como uma estruturação mais adequada e de acordo com os ideais do autor. Na primeira, percebemos uma deslumbrante captação do espaço físico e humano do território brasileiro no período em questão, os anos 1700. Ela versa para Marília, a sua musa, entregando ao leitor um retrato apaixonado, mas também permitindo uma observação praticamente cinematográfica da economia e da cultura daquele momento, cheio de pormenores sobre a devastação das matas por causa da agricultura em expansão, bem como uma descrição da vida burguesa, da ode ao trabalho intelectual, em suma, do culto ao saber, um dos pontos característicos mais marcantes das composições árcades.


A segunda parte, mais pessimista, é uma assertiva pintura de quadros deste mesmo cenário, com distribuição de cores para todos os lados, numa descrição poética que seria um vislumbre, caso um diretor de arte tivesse que transformar o seu conteúdo em filme ou série, isto é, trazer o material poético de Tomas Antônio Gonzaga para uma tradução audiovisual. Nas liras, encontramos o culto ao bucolismo, a contemplação das paisagens, tudo isso por meio de uma sintaxe direta, organização racional da poesia, numa lógica que se diferencia do que era moda no período anterior, o Barroco, dando agora ao fazer poético, uma estrutura que elimina os excessos, considerados pelos poetas deste movimento como “aquilo que era inútil”. Nesta linguagem clara, a transpassar por cenas pastoris, o poeta versa sobre o seu amor, não se dissocia do seu contexto e reflete sobre as consequências políticas que o levaram ao encarceramento, processo que o destronou da equilibrada e prestigiada vida que mantinha.


Publicada em 1972, ainda é muito recorrente em vestibulares e na educação básica. Nesta poesia, Tomás Antônio Gonzaga faz referências ao gado, as ovelhas, a vida tranquila e natural dos pastores das montanhas, figuras que emulam a Antiguidade Clássica e suas peculiaridades. Ele, no entanto, não é um pastor qualquer. Era um homem de certas posses, dono de prestígio social, funcionário de um cargo respeitado e no linguajar da contemporaneidade, era um “cara” relativamente bem-sucedido. Estudioso, culto e articulado, não foi exatamente um nome de grande destaque no movimento registrado em nossa história como Inconfidência Mineira, mas, por traição e vingança de Joaquim Silvério dos Reis, foi acusado de conspirador, sendo descrito como um dos líderes do levante perpetrado por Joaquim José de Silva Xavier, o famoso Tiradentes que deixou um legado em nosso processo histórico e ainda nos concedeu um feriado nacional no mês de abril do nosso calendário anual. Acusado de conspiração juntamente com Alvarenga Peixoto e Cláudio Manuel da Costa, o autor de Marília de Dirceu foi preso, afastado de sua vida social e política, enviado para Moçambique e, distanciado de sua amada, construiu outra rotina distante, situação que o impactou na construção deste poema considerado como uma das obras-primas da literatura brasileira.


E não esqueça da nossa regra básica por aqui. Conhecer o contexto e as características das narrativas dos períodos literários é importante, mas a leitura completa dos textos é algo ainda mais importante. Antes da nossa despedida, deixo algumas peculiaridades do Arcadismo no Brasil. Leia, mapeie e turbine a sua rotina de estudos, combinado?


O Arcadismo, também conhecido como Neoclassicismo, foi um movimento literário que se desenvolveu no século XVIII, influenciado pelos ideais do Iluminismo e pelo retorno aos valores clássicos da antiguidade greco-romana. Saiba mais:


1. Bucolismo: Os autores árcades buscavam exaltar a vida simples e pastoral no campo, idealizando a natureza como um refúgio de paz e harmonia. Poemas retratam pastores e pastoras em ambientes rurais, longe da corrupção e dos vícios da vida urbana.


2. Imitação dos Clássicos: Inspirados na literatura greco-romana, os escritores árcades seguiram modelos clássicos, adotando formas poéticas como a écloga, a ode e a epístola. A busca pela perfeição formal e pela imitação dos mestres antigos era uma forma de alcançar a ordem e a harmonia.


3. Racionalismo: Em concordância com os princípios do Iluminismo, o Arcadismo valorizava a razão como guia para a vida e a arte. A poesia era vista como um exercício de equilíbrio entre emoção e racionalidade, evitando excessos sentimentalistas.


4. Aurea Mediocritas: Esta expressão latina, que significa "mediocridade dourada", reflete o ideal árcade de buscar uma vida moderada, livre de excessos e de ambições desmedidas. Os poetas árcades exaltavam a simplicidade e a contenção como valores essenciais.


5. Fugere Urbem: O lema "fugere urbem" ("fugir da cidade") sintetiza a aversão dos árcades pela vida urbana, associada à decadência moral e à corrupção. A literatura árcade propunha um retorno à vida no campo como um antídoto para os males da civilização.


6. Locus Amoenus: Este termo latino refere-se ao lugar agradável ou idílico. A natureza é descrita como um espaço perfeito, com paisagens bucólicas que proporcionam tranquilidade e inspiração. Esse ambiente ideal é frequentemente o cenário das obras árcades.


7. Universalismo: Diferentemente do Barroco, que enfatizava o individualismo, o Arcadismo buscava valores e temas universais. Os escritores árcades procuravam refletir sobre questões humanas comuns, com um tom mais impessoal e objetivo.


8. Uso de Pseudônimos Pastorais: Influenciados pela tradição clássica, muitos poetas árcades adotaram pseudônimos pastorais para assinar suas obras. Usavam nomes fictícios que remetiam à vida campestre, como "Lereno" (Tomás Antônio Gonzaga) e "Glauceste Satúrnio" (Cláudio Manuel da Costa).


9. Idealização Amorosa: O amor nas poesias árcades é frequentemente idealizado e platônico. As figuras femininas são descritas como perfeitas e inatingíveis, sendo objetos de devoção e contemplação, mais do que de desejo carnal.


10. Inspiração na Mitologia: A presença de elementos mitológicos greco-romanos é uma característica notável no Arcadismo. Deuses, deusas e figuras míticas são usados para enriquecer as narrativas e os poemas, os imbuindo de uma aura clássica e erudita.

Comments

Rated 0 out of 5 stars.
No ratings yet

Add a rating
bottom of page